sexta-feira, 17 de abril de 2020

O Quarto Encontro

Ao sair do consultório sentia-se extremamente leve e calma, já até esquecera o número do andar e da sala. Entrou no elevador com um sorriso imenso. Olhou seu reflexo no espelho e disse: Qual a sua pergunta???
Caiu em uma crise de risos incontrolável, as pessoas que iam entrando olhavam para ela de uma forma estranha, quase bizarra, o que somente lhe alimentava mais ainda os risos. Quando o elevador chegou ao térreo esperou todos descerem, se dirigiu a recepção e devolveu o crachá de visitante, deu um imenso sorriso a recepcionista e lhe disse:
__Querida, tenha uma excelente semana!!!
__Obrigada...
Assim que pôs os pés na rua a recepcionista comentou com segurança:
__Esse psicólogo ai do 13 deve ser bom mesmo (risos). Todas suas pacientes saem rindo muito de lá. Acho que vou marcar uma consulta para mim também.
O segurança lhe respondeu com um sorriso e se dirigiu a porta para observar a rua. Lá fora a vida seguia como sempre em sua rotina incessante, de pessoas indo e vindo, sempre com pressa, como se tivessem sempre perdido algo e nunca encontrando. O barulho e a poluição formavam um ambiente de tormenta, de caos. Menos para algumas pessoas que internamente viviam em um mundo particular de paz absoluta. Neste mundo se encontrava agora Tereza, que se dirigiu a um ponto de ônibus para pegar o coletivo e ir para o serviço, quando ouviu alguém sussurrar
__Hei moça...
Olhou para trás, era um mendigo com a mão estendida. Observou os arredores, abriu sua bolsa e pegou algumas moedas que colocou na mão do mendigo
__Deus lhe abençoe moça
Ela se limitou a fazer um gesto positivo com a cabeço
__Moça, faça a sua pergunta!!!
Tereza ficou imóvel!!! Um arrepio lhe subiu pelo corpo e os pelos ficaram em pé, seu ônibus chegou, parou, partiu e ela nem se deu conta. Não sabia se olhava novamente para o mendigo, ou simplesmente lhe ignorava e seguia a vida. Aquilo não podia estar acontecendo, devia ser algum tipo de coincidência é claro. Olhou lentamente para o mendigo, que agora lhe sorria com os poucos dentes que tinha na boca
__Moça, não existem coincidências. Isso são justificativas para pessoas de pouca fé!!!
__Você deve estar com fome, não é??? Posso lhe pagar um lanche???
__Claro moça. Agradeço lhe e muito.
__Quando cheguei hoje cedo passei em uma lanchonete na esquina desta rua, vamos até lá.
O mendigo se levantou e seguiu a moça até a lanchonete, ao chegar no estabelecimento a moça foi entrando, no entanto o mendigo foi barrado por um funcionário que varria o chão.
__Aqui você não entra!!!
__Rapaz, ele esta comigo... É meu primo
O funcionário analisou os dois, balançou a cabeça negativamente e respondeu
__Por favor vão até o fundo, tem uma mesa próxima ao banheiro, fiquem por lá que já irei atender vocês
__Obrigada
Tereza entrou com o mendigo e sentaram-se a mesa
__Quer dizer que agora eu sou seu primo? (risos)
__Melhor assim. Evita-se muitas perguntas. Aliás qual seu nome?
__Me chamam Jesus
Tereza olhou com estranhecimento
__Ok Jesus, porque você fez aquela pergunta para mim?
__Moça, me perdoe tá, eu sou um homem estranho, as vezes falo o que sinto vontade, simplesmente isso, ou quando não falo eu escrevo. Jesus então abriu um bolsa que tinha pendurada no pescoço e tirou um monte de folhas escritas.
__Veja você mesma
Tereza pegou as folhas e olhou-as uma a uma. Estava em sua maioria muitos sujas e encardias, algumas até com manchas de gordura. Uma das folhas lhe chamou a atenção, tinha um título: Carta ao Alquimista.
__Jesus, posso ficar com esta???
__Claro moça.
__Obrigada, aliás, me chamo Tereza
__Tá certo Tereza
__Bom Quanto a pergunta. O que é o Retorno?
__Simples, quando se vai, tem que voltar, isso é um retorno
Tereza olhou boquiaberta, pois não esperava uma resposta assim tão rápida e sem gaguejar
__Perfeito, no entanto, o Retorno de onde?
__Tereza infelizmente não tenho todas as respostas para suas perguntas. As vezes meu cérebro trabalha rápido e já tenho algo em mente para disparar. As vezes tenho uns vazio e nem me lembro quem sou, nem onde estou. As vezes... As coisas me vem em sonhos confusos, às vezes acho que vou enlouquecer.
Jesus colocou as mão sobre o rosto e começou a chorar copiosamente. Tereza sentiu uma imensa vontade de abraçar aquele ser humano, e foi o que fez. Foi então que se deu um fato. Ela sentiu algo sair de dentro de si e na sequência recebeu algo em troca. Ela não sentia o fétido odor daquele homem, o abraço foi algo despretensioso e inimaginável. Ela se sentia outra pessoa, a Tereza do dia seguinte jamais teria conseguido fazer aquele gesto. Quando Jesus levantou a cabeça estava radiante. Tereza lhe sorriu de volta e entregou nas mãos daquele homem a suposta receita do Psicologo.
__Fica para você Jesus, é uma receita médica. E toda vez que tiveres duvidas a use, e não chores mais, pois és abençoado. Quando não precisares mais desta receita. Passa ela adiante, pois com certeza alguém vai precisar.
Novamente aquilo... Estava falando palavras que não eram suas. De onde saiu tudo aquilo!!!
No fim daquela manhã, mais dois desconhecidos estavam felizes. Sairam da lanchonete, Jesus foi para direita e Tereza para esquerda, em direção ao ponto de ônibus, estava decidida a ir para casa e encerrar aquele dia. Acenou para Jesus que se perdeu na multidão, ao retornar a atenção viu que seu ônibus acabar de parar, sem nem mesmo ela dar o sinal. Subiu as escadas, cumprimentou o motorista, estava leve. Foi ao fundo do coletivo e sentou-se, abriu a bolsa e sacou o texto de Jesus, leu e passou a refletir:

“Carta ao Alquimista

Acorda criatura!
E desperta o Deus que a em ti!
A centelha adormecida
Que mora contigo debaixo da telha
Urge que largues o material e carnal
Para abrir-te os olhos ao que esta mais além
Teu pai te chama, ti reclama, e tu não ouves!
Abre os ouvidos e ouve
O que é inaudível ao ser comum...
Escutas com dom da alma!
Olhe com olhos sem cobiça
E larga de vez o que te atiça
Que a bem-aventurança está em ti!”